Críticas, matérias, entrevistas e reportagens da carreira de Orlando Fassoni.
O material não segue nenhuma ordem, seja cronológica, seja de categoria ou qualquer outra. É apenas um registro digital de muitos anos de jornalismo.

29 de abril de 2010

Dos seus filhos, o post aos leitores.


Aos leitores e colegas do Orlando Fassoni, quem escreve este post são seus filhos.

Aos 67 anos, Fassoni faleceu na tarde deste domingo, 25 de abril, de falência dos órgãos. Foi descansar depois de três cirurgias as quais foi submetido em menos de seis meses e um mês de internação contínua.
Queremos agradecer a todos os amigos e familiares que estiveram conosco em pensamento e em orações nestes tempos tão difíceis.

Fassoni nasceu em Marília, interior de São Paulo, para onde gostava de voltar para descansar e rever sua família, principalmente antes de fazer seu programa predileto: pescar em seu rancho na beira do rio Paraná. Muitas vezes voltava de lá sem peixe nenhum, mas trazia sempre um sorriso gostoso no rosto e muitas histórias de pescador para contar.

Mudou-se para a capital para trabalhar na Folha de S.Paulo, primeiramente como reporter e depois já como crítico de cinema. Trabalhou também como assessor de imprensa para o Governo do Estado e na Rádio Jovem Pan, como crítico de cinema e redator do jornal da Manhã. Ganhou o respeito dos leitores de suas críticas por seu texto caprichoso, simples e, principalmente, sua seriedade no que dizia, sem nunca aceitar concessões para escrever.

Ele amava cinema, já dizia quem o conhecia. Nós, filhos, sabíamos disso como ninguém: era só perguntar e ele nos dava a ficha completa do filme, do ator, do diretor e, principalmente, da trilha sonora (sua outra grande paixão dentro do cinema).

Contador de histórias, adorava lembrar de tantas viagens feitas nestes anos todos dedicados ao cinema e ao jornalismo. Com o tempo, neste espaço, queremos contar estas histórias e também digitalizar todas as críticas que ele escreveu e ainda guardava, para darmos continuidade ao intuito dele: servir de fonte para as pessoas que, como ele, têm no cinema sua grande paixão.

A nós (seus 4 filhos), sua esposa e seus 5 netos, deixa muita saudade, muitos ensinamentos e um grande orgulho pelo homem que sempre foi.

7 de maio de 2008

RORAIMA, O NOVO VELHO OESTE

Recentemente, um deputado lá das bandas de cima disse que o general-de-exército Augusto Heleno Pereira estava fazendo o papel do general Custer, o herói norte-americano que combateu os índios e se ferrou.O nosso general brasileiro atacou a política indigenista praticada aqui, afirmando, entre outras coisas, que a demarcação de reservas indígenas na fronteira do país ameaça a soberania nacional. Isso tudo porque, de uns tempos para cá, passamos a conhecer uma outra crise – e não é nada tranquilizadora – ameaçando as populações que vivem lá pelos lados de Roraima, que, pelo jeito, tornou-se o nosso Velho Oeste. Ou seja: índios versus caras-pálidas, como nos tempos de Touro Sentado, Jerônimo e outros tantos ícones que o cinema colocou nas telas para enfrentar John Wayne e outros mocinhos dos velhos bang-bangs filmados por mestres do gênero como John Ford, Howard Hawks e mais alguns privilegiados que souberam explocar o tema usando as fantásticas paisagens do Grand Canyon.
O diabo é que, quando começou a escaramuça entre arrozeiros – os plantadores de arroz – e os índios da reserva Raposa Serra do Sol, a coisa vem se avolumando. Nestes dias, nove ou dez índios foram atacados por asseclas de um fazendeiro que ocupava pequena parte da terra indígena, legalmente, o prefeito de Paracaima, Paulo César Quartiero, líder dos proprietários de terras que os índios dizem ser deles. Naquelas bandas índio não quer apito, quer as terras que o Governo Federal destinou a eles numa penada talvez equivocada, definida quando as coisas já não estavam boas entre os dois lados porque, como diz o general Heleno, comandante militar da Amazônia, a política indigenista do nosso Governo é “lamentável e caótica”. Por que?. Por não impedir os não-índios de entrar em reservas e por abandonar as comunidades indígenas à miséria depois da demarcação da área da Serra do Sol. Respaldado nos seus conhecimentos sobre aquela região e no apoio das elites militares, o general, primeiro chefe da missão de paz da ONU no Haiti, experiente em combate e conhecedor da vida indigenista, acha que a política da União é errada ao entregar territórios vastos e contínuos aos índios. Ontem, ou anteontem, o governador de Roraima, José de Anchieta Júnior, disse numa entrevista que os índios não precisam de tanta terra, precisam mesmo é de dignidade e da proteção do Estado. Dezessete ou dezoito mil índios ocupam na reserva Raposa Serra do Sol uma área de um milhão e oitocentos mil hectares e, segundo o governador, são usados como bodes expiatórios das inúmeras ONGs existentes na região, interessadas menos em defender as causas dos índios e mais nas riquezas minerais da vasta região.
Achei esquisito o tal deputado – nem lembro o nome da figura – ter comparado o general Heleno com o general Custer, que a maioria só conhece via cinema – e vejam que até Marcello Mastroiani interpretou o general -, figura a quem Hollywood dedicou mais de uma dezena de filmes, todos fazendo a apologia do personagem histporico até aparecer “Pequeno Grande Homem”, de Arthur Penn, que derrubou o mito. Em 1967, a Associação dos Índios da América do Norte fez um apelo às empresas comerciais dos Estados Unidos para que não financiassem um programa de televisão destinado a glorificar o general George Armstrong Custer. Famoso por sua extrema crueldade contra os peles-vermelhas depois da Guerra da Secessão, idolatrado depois que Errol Flynn fez “O Intrépido General Custer”, virou ícone para os brancos e carrasco para os índios. A associação, com mais de 30 mil membros, dizia então que não era apropriado produzir uma série de episódios televisados glorificando um oficial do Exército norte-americano que havia tomado parte no brutal assassínio de mulheres e crianças, “da mesma forma como não seria adequado apresentar-se uma série enaltecendo um criminoso de guerra nazista ou um traficante de escravos.
Numa série de artigos sobre o Velho Oeste, publicados em 1973 na “Folha de S.Paulo” e assinados por Colin Richards, do jornal “London Express”, o autor afirma que “morte e derrota foram as melhores coisas que poderiam acontecer ao general Custer. Elas o transformaram em herói nacional no protótipo hollywoodiano para a Cavalaria dos Estados Unidos”. Colin Richards afirma que se Custer tivesse derrotado os Sioux e os Cheyennes na batalha de “Little Big Horn”, provavelmente teria sido descartado pelos historiadores como um exibicionista doente por publicidade. Em 25 de junho de 1876, os batedores de Custer localizaram uma aldeia índia às margens do rio Little Big Horn, em Montana, e advertiram que era grande demais para os duzentos soldados comandados pelo egocêntrico general. Aconselharam que ele aguardasse a chegada de reforços, mas Custer estava novamente às voltas com seus problemas de publicidade desde que fora processado num inquérito onde fez acusações infundadas contra a família do presidente Grant. E, mais uma vez, necessitava de uma grande vitória sobre os índios para recuperar seu prestígio na Cavalaria. Resultado: ignorou os conselhos, desceu o vale do Little Big Horn e foi cercado por mais de 3 mil Sioux, Cheyennes e Arapanhões. Três horas depois o seu exército estava dizimado. Aparentemente, Custer suicidou-se. Touro Sentado e seus índios haviam desenterrado a machadinha de guerra para vingar suas mulheres e filhos assassinados pelas hordas do general. Fiquemos de olho porque, muitas vezes, a História de repete. Não temos nenhum Custer, como insinuou o tal deputado lá dos altos do país, mas temos aí, discutido todos os dias já há um bom tempo, um conflito que, hora qualquer, pode virar o nosso Little Big Horn. Quem não conhece a história pode alugar em vídeo o “Pequeno Grande Homem”, obra que desmistifica Custer, de quem o nosso general Heleno não herdou nada. Ainda bem.

5 de maio de 2008

Trinta anos... O HOMEM NU

1967
Acredito que “A Hora e Vez de Augusto Matraga” tenha sido, até agora, a melhor obra de Roberto Santos, cineasta lúcido capaz de levar adiante, com simplicidade e dedicação, toda produção em que possa analisar detidamente seus personagens e dar-lhes consistência de humanismo, de tragédia e de humor, sem se preocupar basicamente com estilos, simbolismos ou efeitos fotográficos.
Assim é o novo filme dele, “O Homem Nu”. Sem pompa, isento de exercícios de forma e de sofisticação, atrai pela simplicidade com que o diretor aborda o problema do professor Sílvio Proença (Paulo José), de repente transformado em marginal e caçado por uma cidade inteira.
Disse que considero “Matraga” a melhor realização de Roberto Santos por uma razão: sendo uma obra mais difícil, exigiu muito mais esforço cinematográfico de seu realizador e outra visão das situações. Também exigiu uma adaptação mais estudada para que não houvesse qualquer deturpação da obra de Guimarães Rosa. Passado algum tempo – dois anos – Roberto Santos retorna com esta comédia que adapta o conto de Fernando Sabino e que o diretor transforma num filme sóbrio, discreto, sem chavões, despretensioso mas sem a força dramática de “Matraga” e “O Grande Momento”, este último sua estréia em 1958, mas com o espírito alegre de “As Cariocas”. Ao adaptar o conto com o próprio Sabino, Roberto Santos considerou que a simples história de um homem correndo nu pelo Rio de Janeiro oferecia poucas condições para uma análise do personagem e do comportamento de uma cidade diante de uma determinada situação.
Assim, aprofundou-se no roteiro e criou uma trama ao mesmo tempo divertida, bonita mas também trágica em certos momentos. Primeiro, o professor Sílvio num mundo amável, poético, metido numa realidade da qual não queria sair porque abandonar a rotina poderia significar desafios que ele não desejava enfrentar e, dessa forma, penetrar num mundo diferente e cheio de riscos. É o que acontece ao ficar nu num acontecimento simplório. Incapaz de reagir claramente e enfrentar uma realidade que descobria pouco a pouco, em sua fuga e em sua humilhação, Sílvio Proença começa a compreender a outra face de uma cidade e de um mundo que antes era extremamente calmo e acomodado. Uma face meia
Cruel, meia amarga e também meia violenta, que esconde cinismo, egoísmo e muitos esquemas morais para ser sentida e compreendida por um sujeito metido numa situação vexatória à qual estava exposto por acidente. Há a perseguição pelo Rio inteiro e, no final, a conscientização ao descobrir a falta de solidariedade humana e a vulnerabilidade de seu lar. Então surge a amargura e já não existem mais saídas.
Roberto Santos obtém de Paulo José sua melhor interpretação, e no elenco feminino há destaque para Esmeralda Barros porque Íris Bruzzi, Leila Diniz, Ruth de Souza e Joana Fomm pouco aparecem. “O Homem Nu” conseguiu ser um bom filme de costumes e de críticas aos princípios morais das grandes cidades e que poderiam ser colocados também em qualquer pequena cidade porque o comportamento é o mesmo e nada mudou: tipos como Valença fazem parte de um folclore que muitas vezes machuca.

19 de abril de 2008

Trinta anos... O MARGINAL

21.03.1975

“O Marginal”, que Dias Gomes transformou em argumento cinematográfico e que Carlos Manga dirigiu, para azar seu depois de um afastamento de 13 anos do cinema brasileiro, é um filme que, lamentávelmente, não escapa da ingenuidade. Excluídas as suas boas qualidades técnicas, resultados, principalmente, do esmero que Oswaldo de Oliveira aplica à fotografia, não há como perdoar uma obra tão ineficiente e tola em seu modo de desenvolver a história de Valdo, o marginal do título. Quem está sentado na poltrona, à espera de, no mínimo, um filme policial mais aplicado, recebe a chatice de um extenso, inexplicável, cru e ingênuo dramalhão onde Dias Gomes colocou bons punhados de tudo o que as telenovelas vendem diariamente.
Vejamos: há um homem, Valdo, que se transforma em assassino porque a sociedade o corrompe. Criança ainda, como o filme mostra em sucessivos flashbacks entre passado e presente, é internado num colégio, de onde foge. Já homem feito, ambiciona alcançar uma posição social e o “status” que lhe fora negado na infância. Trabalha numa boate onde conhece Beth, milionária enganadora de homens e com quem se envolve. Mas conhece também a vedete do rebolado, Leina. Entre uma e outra, decide ficar com ambas. Enquanto isso, começa a subir socialmente e vira dono de uma agência de automóveis. Abandonado por Beth, mata o marido dela, pega 14 anos de cadeia e nesse período de cana pode curtir todos os seus traumas. Ainda preso, é usado por Leina, que se casa com o marginal para alcançar fama e conquistar a TV. Aparece então uma criança que Leina diz ser filho de Valdo. Acreditando na história da mulher, ele decide se comportar bem para ganhar a liberdade condicional. Sai da prisão e vai dedicar-se a um trabalho honesto: chaveiro. É novamente enganado por Leina, fica sabendo que o filho não é seu, espanca a mulher, refugia-se na sua oficina e só sai de lá para enfrentar a polícia. E o resto é o resto.
Qualquer pessoa acostumada a assistir os dramalhões telenovelescos já percebe o que é “O Marginal” nas suas concepções de argumento. Mas não imagina que, num filme, Carlos Manga tenha utilizado de maneira tão pobre a linguagem cinematográfica. As noções mais elementares de ritmo e ação, planos, enquadramentos etc, parecem aplicados, nesta obra, por um cineasta amador e não por um Carlos Manga que merece as melhores referências e que é, neste caso, fatalmente traído: acabou sendo obrigado a trabalhar um argumento que não lhe deu as mínimas chances de realizar um filme mais realista e menos piegas, mais dramático e com menos cheiro de telenovelão.
Dessa incursão ingrata no dramalhão de TV, nem Tarcisio Meira, nem Darlene Glória ou outro qualquer outro ator, passando por um Anselmo Duarte preso a marcações e claramente desinteressado, escapam para um mínimo perdão. É evidente que, sem culpa pela fragilidade com que foram construídos os personagens, os atores de esforçam, mas a tentativa deles é inócua porque não podem enriquecer figuras que nasceram para desfilar durante meses a fio suas caras na televisão, o que, por si só, já é desgastante para eles quando vão fazer cinema. Para o público a que se dirige, “O Marginal” não muda nada. Tanto faz ver um Albertinho Limonta, um Nino ou um Valdo. É tudo igual.